La Cabra Tira al Monte

Um pastor resolveu descer da montanha levando uma das cabras de seu rebanho para vendê-la no mercado do vilarejo próximo.
A cabra não gostou da idéia.
O pastor descia a ladeira contando pra cabra as vantagens que tinha a cidade, o bom que era estar no mercado, ser um produto conhecido y atrair os clientes. Explicava que era preciso entrar no mercado o mais cedo possível, porque a concorrência era muito grande. Que era muito melhor, em vez de ficar na montanha levando uma vida entediante e pacata, entrar na apaixonante vertigem da negociação, compra e venda. Com o que iria receber, pensava comprar um lap top wi fi, assim que alguém explicasse para ele o que era aquilo. Isso último fez com que a cabra soltasse uma gargalhada, que teve que disfarçar com uma tosse.
A cabra enxergava as coisas desde uma ótica muito diferente. Preferia ficar na montanha, com seus amigos e parentes. Não aprovava o plano de se tornar churrasco após uma negociação na qual não poderia nem opinar. Além do mais, detestava ter que deixar as alturas. Ouvia atenta e respeitosamente os argumentos do pastor, porque gostava muito dele, mas não se convencia.
Já na planície, no segundo dia de caminhada, a cabra começou a querer voltar. No início timidamente, mas segundo passavam as horas, puxava mais e mais da corda em direção à montanha.
A cabra poderia ter falado pro pastor que ela não queria ir, que sabia que ele não precisava mesmo vender cabra nenhuma, que iria fazê-lo porque alguém tinha enchido a cabeça dele com essas teorias estranhas, que provavelmente não serviriam em lugar nenhum, mas que no alto da montanha eram particularmente absurdas.
Mas não. Optou por não falar.
Não porque não pudesse. Falava um português perfeito e tinha uma cultura surpreendente, mas pensava que se o pastor soubesse que ela era capaz de falar, nunca mais a deixariam tranquila.
E estava certa.
Não tinha outro remédio que não fosse se comportar como uma cabra.
Ao terceiro dia da caminhada, a cabra estava tão acostumada com a litania mercadológica do pastor, que já não conseguia mais prestar atenção nele e caminhava como que hipnotizada.
O pastor estava contente, porque já não precisava mais ficar puxando aquele animal contrariado e foi relaxando aos poucos.
Ao quarto e último dia de viagem já se enxergava a cidade no horizonte. Esta visão fez com que a cabra acordasse do seu letargo e previsse tudo o que iria lhe acontecer. Em um gesto explosivo, puxou a corda para trás tão violentamente que conseguiu arrancá-la das mãos do desprevenido pastor, que ficou em um silêncio atordoado enquanto olhava como a cabra se afastava a toda velocidade em direção às montanhas.
O coitado voltou para casa decepcionado e triste, mas o tempo se encarregou de levá-lo a pensar que, afinal, uma cabra que dava leite e lã tinha o seu valor e que a cidade era mesmo agitada de mais e que ficava realmente muito longe.
Envelheceram juntos, o pastor e a cabra. Um dia a cabra deixou escapar uma palavra na frente do pastor e teve que confessar que sabia falar. Até foi melhor, porque então os dois passaram seus últimos anos tomando mate no alto da montanha, filosofando sobre essas modas raras que inventa aquele pessoal da cidade, que raramente duram mais do que um suspiro.
Para prosear, tinham todo o tempo do mundo, a cabra e o pastor.



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