Quando o Pai Se Vai...

Como vou deixar você...
Como eu vou deixar você...

Ele partiu e no seu lugar ficou o vazio
Me lembro bem o dia, nem se despediu
Brigou, falou, sem pensar e saiu
Foi melhor, nunca o vi tão hostil
Meu sobrinho me disse que ouviu
Ele perguntar(lá no bar) supletivo, pra que serviu?
Cinco anos desempregado, vivendo de bico
É mais triste que o penalti perdido do Zico (vix)

Vou deixar essas idéias de lado
Vida é vida não é campeonato
Mas na real, vou te confessar
Pensei que ia voltar, cansei de esperar
E desespero eu andava em círculo
E o natural veio de capítulo em capítulo
Num cubículo minha mãe, meus irmãos e eu
Sem água, comida, energia, no breu
No sofrimento sem par

Hoje almocei, mas não sei se eu vou jantar
Por mim, consigo aguentar
Mas minha mãe não consegue mais amamentar
E me vem na mente meu pai em coma alcólica
Desperto da viagem com nenê sentindo cólica
E agora, o que faço eu?
Promessa pra São Judas Tadeu?
Eu?

Eu vou na casa daquela dona da parabólica
Tirei a pipa da antena ela ficou eufórica
Quem sabe me ajuda ou conhece alguém
Pra dar um remédio pra crise do neném
Acho que ela não está
E agora como é que eu vou fazer pra voltar
Um rápido sorriso me vem no rosto
Rindo de mim mesmo de dar gosto

Vim resolver um e arrumei outro problema
Pior duas horas a pé, que cena!
O lado bom é que vai dar pra refletir um pouco
Ralei atrás de trampo esses dias feito louco
Fui até em lugar que não era necessário
Fui humilhado pelo empresário
E do bolso gastei meu último troco
Pra ouvir ele gritar até ficar rouco

Sem qualificação, não tem produtividade
Primeiro grau é diploma de imbecilidade
Segundo grau perdeu a validade
Tem que ter faculdade

Esses cara falando, quase me arrasa
Mas do jeito que dá sustento minha casa
Não sei porque não respondi na mesma tonalidade
Ninguém se qualifica sem primeira oportunidade
Que o requisito principal é honestidade
Que chegaria a qualidade, que tenho necessidade

Esses cara, financiado pelo pai
Chama a segurança e grita, sai (sai)
Foi melhor eu ter me controlado
Já pensou eu sair de lá algemado
Mato minha mãe de desgosto

Não quero ver minha velha tomando soro no posto
É umas fita que a gente passa e que nunca imagina
Só sei que, necessidade não é sina
Vou falar igual o Zé, emprego eu escolho
Chegando em casa vou botar os pés de molho
Mas que nada, amanhã tudo vai se resolver
De novo o choro agudo do bebê
E de novo a deprê bate a ficha cai
Quando o pai se vai

Como eu vou deixar você
Se eu te amo (como vou deixar)

Como eu vou deixar você
Se eu te amo (como vou deixar)

Do outro lado, no outro extremo da cidade
História inversa é realidade
A de um pai que honrou sua paternidade
E que criou seus filhos mesmo com adversidades

Tempestades não faltaram, na sua vida
Quatro crianças pequenas, perdeu a patroa querida
Colesterol elevado, pressão muito alta
E na farmácia do SUS, o remédio sempre em falta

Juntou-se a fome com a vontade de comer
Assistiu o filme que eu não queria ver
Heroicamente, não se entregou à bebida
Mantendo a cabeça sempre erguida

Enfrentou a saudade, o desemprego
Por seus quatro moleques tem um apego
Evitando o trágico, disse não ao tráfico
E no tráfego, trafegou, testando seu ego

Calça suja, camisa furada e chinelo
Trabalhava do vermelho ao amarelo
Chocolates, frutas, água mineral
A senhora apavorada avançou o sinal

Sobe a bolsa de valores vários pontos
Some a bolsa com valores da madame, ela ao prantos
Todo dia uma batalha sei o fato gerador
Não se encerra essa guerra, oprimido e opressor

Sai de casas antes do sol raiar
(Ninguém vê sair, ninguém escuta chegar)
Final de semana pra ele era sagrado
Não ia pro farol não lavava um carro
Era dedicado à casa e aos filhos
Dever de casa, manter os moleques nos trilhos

Cada um tinha uma obrigação
Levantar, dobrar cobertas, nada de lixo no chão
Ele se irritava profundamente
Com pai que faz filho e nega lá na frente

Com pai, que não paga PA
Com o argumento que a mãe irá gastar
Com batom, com salão
Fazendo compras sem precisão

Altas desculpas, pra não manter o compromisso
Pra ele, os filhos não tem nada haver com isso
Pensou em casar, mas não arrumou ninguém
Que tratasse seus filhos bem
Da forma que ele realmente queria
E fez um voto que viúvo continuaria

Acredita que a educação é necessária
Apresentou pra eles a biblioteca comunitária
Que ficava bem perto da sua moradia
Um lugar que sozinha a criançada ia
Não deixava ouvir rap, mas observador
Passou a prestar atenção nas letras e liberou

Dizia sempre que a leitura
Faz a pessoa mais inteligente e com cultura
Foi vendo a criação dessas crianças
Que passei novamente a ter esperanças
Numa geração em que poucos acreditam
E que muitos impiedosamente criticam

Isso me faz crer, que o hip hop precisa dizer
Que muito pai faz por merecer
Que o filho contrai muita doença
Com a sua ausência, sem sua presença
Quero transmitir em primeira mão a notícia
Que mais que repressão e polícia
Toda geração precisa de incentivo senão cai
É triste ver, quando o pai se vai

Como eu vou deixar você
Se eu te amo (como vou deixar)

Como eu vou deixar você
Se eu te amo (como vou deixar)
Te amo

Como vou deixar você, hey eh
Como vou deixar você, ey ey

Todo respeito ao seu Genésio Gonçalves Batista, meu pai
Um grande pai



Credits
Writer(s): Genival Oliveira Goncalves
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