O Pão de Cada Dia

Mais um dia de trabalho, querido diário
Eu ralo feito otário e ganho menos do que eu valho
Mas necessito de salário que é bem menos que o necessário
Hoje os rodoviários tão em greve por melhores honorários
Eu procuro um que me leve, eu tenho horário
Não posso chegar atrasado, não posso ser descontado

Se eu falar que foi greve, meu chefe pode ficar desconfiado
E se o desgraçado quiser me dar um pé na bunda
Eu vou pro olho da rua e rapidinho ele arruma outro pobre coitado
Desempregado, desesperado é que mais tem (olha o ônibus!)
Hein? Já vem lotado, gente pra cacete, vidro quebrado (foi piquete)
Motorista com um porrete do lado
Ele furou a greve porque também teme ficar desempregado

Deixar seu filho desamparado
Quem sabe ser despejado do barraco
(E o aluguel lá no morro também já tá puxado)
(Eu nem sei se eu tô sendo otário ou esperto)
(Eu tô aqui, mas também tô torcendo pra greve dar certo)

Eu fico calado porque eu também tô preocupado
O meu salário até o fim do mês já tá contado
E o meu moleque tá todo gripado
Se eu tiver um imprevisto eu vou ter que comprar remédio
Não sei como é que eu faço, eu num sou médico

Se precisar, eu vou ter que pedir um vale na batalha
Como um esfomeado pede uma migalha
E o canalha lá pode até negar e aí vai ser pior
Porque o meu único ganha-pão é esse meu suor

Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)
Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)

Eu tô no meu carro, me olho no espelho, ha, ha, eu acho hilário
Eles acham que eu num trabalho só porque eu sou um empresário
Meus funcionários devem achar que eu sou um porco mercenário
Mas eu não sou nenhum milionário
Pra ser mais claro, eu tô num mato sem cachorro

Se eu corro o bicho pega, se eu fico o bicho come
Pra quem vou pedir socorro? Chapolim? Super-Homem?
As despesas me consomem, os lucros são poucos
E ainda tenho que pagar meus homens, zelar pelo meu nome
Que sufoco!

O governo num ajuda
Empréstimo de banco nem pensar!
Sem contar faculdade dos filhos pra pagar
Eles pensam que eu sou marajá! (Num dá?)

Não vai dar, insensível você diz
Mas é impossível eu te aumentar, impossível te fazer feliz
Eu nunca quis ver meus empregados cansados com fome
Mas o aumento tá negado
Agora some que eu tô ocupado no telefone

Eu não sou Raul Pelegrini, essas coisas me deprimem e tal
Mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau
Durão, afinal, eu sou o patrão, não posso ser sentimental
Porque eu não tenho dinheiro de sobra
Talvez tenha que demitir mão de obra com urgência
Eu não consigo dormir, não consigo superar a concorrência
Não sei se eu vou enfartar ou se eu vou à falência

Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)
Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)

Melhor do que dar um peixe a um homem é ensiná-lo a pescar
Então em ensina onde eu pesco grana porque peixe só tem se comprar
Tem que pagar pra comer, tem que pagar pra dormir
Tem que pagar pra beber pra esquecer
E até pra morrer tem que ter pois vão te pedir (dinheiro)

Pro enterro (dinheiro)
Pro caixão (dinheiro)
Pro velório (dinheiro)
Pro sermão

Também é caro parir
Pagaram pra eu entrar, e eu rezo pra não sair daqui
E eu tenho que me cuidar
Porque o dinheiro mesmo pode interferir no nosso destino
Fazer o sino tocar, influenciar qualquer menino a nos matar

Você não sabe o que é capaz de fazer por dinheiro
Alguém que não tem nada a perder
E vê a TV do mundo inteiro mostrar tudo o que há
Pra se ganhar pra quem está no fundo do poço
O único caminho é pro alto nem que seja por cima do seu cadáver

Moço, eu vejo isso o tempo inteiro
Eu sou coveiro (sério?)
Sem mistério, no cemitério é onde eu cavo o meu pouco dinheiro
Eu sou importante, Deus tá de prova
A todo instante ele me manda gente e eu sempre abrindo as covas

Até hoje eu não sei se ele me perdoou
Do dia em que eu mexi naquele defunto cheio de dente de ouro
Dei uma de dentista e deixei o rosto do corpo todo torto
Mas é que eu ganho muito pouco
Aliás, eu num tenho nem onde cair morto

Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)
Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)

Eu sou PM, não pense que é fácil
Tem que ser malandro pra viver se arriscando
Rondando pra cima e pra baixo
Na corda bamba, posso tombar na próxima curva
E minha mulher em casa estraga as unhas com medo de ser viúva

E os meus nervos também não são de aço
Meu caráter muito menos, por isso eu sempre faço meus cambalachos
Com o tráfico eu já tô mancomunado
Quando eu não tô dormindo, ou tô trincando, ou extorquindo os viciados
Eu fico rindo e o bolso do uniforme fica inchado

Hi, hi! Um cafezinho aqui!
Uma cervejinha ali (tô ligado!)
Rá! Eu sei que eu não presto
Meu colega diz: cê tá exagerando
Ah, você que é muito honesto!

Detesto lição de moral, cê devia fazer igual e abusar da autoridade
Esse é o único poder que essa droga de sociedade
Me dá o prazer de sentir o gostinho
Não tô nem aí se você prefere bancar o policial bonzinho
Perfeito! Mas vou continuar do meu jeito, não sou super-herói
E pimenta nos olhos dos outros não dói

E assim como o rato rói a roupa do rei de Roma
Eu vou roendo grana, o poder me corrói
Tá me corrompendo e a soma vai crescendo (manda!)
Morrer é o que não posso, mas quanto aos negócios: fica frio!
Enquanto houver crime no Rio eu não volto pra casa de bolso vazio

Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)
Preciso do pão de cada dia e não sou filho do padeiro
Então preciso do (dinheiro)

E eu sou o dinheiro
Todos me amam, todos me querem, todos adoram sentir meu cheiro
Mas eu não sou democrático, eu sou ingrato
Quem mais produz riqueza é quem tem menos na mesa
Que chato!

Pra quem me controla, a carne sobra no prato
Enquanto outros não me conhecem e comem rato
É fato real, rato sem sal, saiu no jornal
Eu sou imundo, que tal?
Eu sou o grande culpado nesse mundo tão desigual
E gero o preconceito social
Quem me tem vive bem, quem num tem passa mal (será?)

Loto, jogo do bicho
Cês sonham comigo o tempo inteiro
O capitalismo é que nem Silvio Santos (oi, tudo por dinheiro!)
É que vocês pensam pequeno, vocês são um bicho muito ingênuo
O que parece ser o antídoto pode ser o próprio veneno
E o que parece essencial talvez seja supérfluo
E o que cês sonham encontrar lá longe tá tão perto!

A felicidade é uma muleta, e vocês são todos mancos
Ela não cabe numa maleta
Não cabe no cofre, não cabe em bancos
Qualquer que seja a profissão que você exerça
Não deixe que a sua fixação por Tio Patinhas lhe suba a cabeça

Vocês humanos estão cegos, me supervalorizam demais
Cada vez mais, a cada segundo que passa
Deixam seu mundo em constante ameaça
Me pondo acima de Deus e o Diabo
Desse jeito eu acabo com a sua raça



Credits
Writer(s): Bob Marley, Gabriel Contino
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