Meu Bordado

Quando eu era criança
Minha prima mais velha
Quase uma mulher
Ela dizia
Bordava as solas dos próprios pés
Com uma linha crua
Fazendo geometrias
Escrevendo palavras
Desenhando ponto por ponto
Relevo que, no entanto, não sangrava
"É o trabalho da mulher", ela dizia
Como se contasse um segredo
Como se transmitisse uma ideia
Ou uma doença
E às vezes, ficava dias com as palavras paz
Pressionada contra o chão
A linha escurecendo de sujeira
Mesmo que ela se banhasse
Aquela palavra "paz"
Encardida em sua pele
Como um arremedo
De uma beleza distante

E hoje que eu estou crescida
E que sou eu mesma uma mulher
Com toda certeza, confesso que não sei bordar
Em outro tecido que não seja minha pele
Mas diferente da minha prima mais velha
Que agora mora sob uma lápide no cemiteriozinho do monte
Eu sangro, eu sangro muito
Especialmente quando bordo as palavras "paz", "liberdade"
Ou meu próprio nome
Ou meu próprio nome



Credits
Writer(s): Micheliny Verunschk, Sofia Freire
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