Espelho
Eu que não sei ficar quieta
Que me reviro na garganta dos grilos
Escrevo o que me der na telha
Pra escapar da culpa cristã das palavras
E busco na terminologia dos dias
O sentido para querer continuar sentindo
Eu, que gasto dinheiro com a vontade que me dá
Agora
Que bebo demais e depois não sei o porquê acordo
Com sede no dia seguinte
Que já me arrependi até de ter botado sal demais na comida
Que olhei pro meu cachorro pedindo carinho e disse pra ele que amanhã
Que deixei inúmeras plantas morrerem sobre a minha tutela
Mas que morreram amores pelo mesmo motivo também
Que consigo falar muito mal sobre de tudo um pouco
Que minto sempre acreditando ser verdade
Que odiei os vizinhos e aumentei o som até que não pudesse ouvi-los
Que cometi um erro e não pedi desculpas
Que nunca lavei meu carro mas soube trocar seus pneus
Eu que xingo mentalmente minha mãe de vez em quando
Que resmungo feito uma criança
Os pés no chão quando estou carente e contrariada
É que eu sou uma adulta dengosa
E também nunca soube muito fazer qualquer matemática
E colava muito na escola
Que já fingi gostar de um presente
Que já ataquei a virtude de alguém por pura inveja
Eu que não acredito em deus, e por isso muito menos em seus conceitos
Que já gritei com uma criança e já gritei embaixo d'água
Que já dei perdido em um amigo
Que já manipulei
Que já percebi estar sendo manipulada
E que já fui manipulada sem o saber
Que já fiz o café horroroso, fraco
Que já não escovei os dentes por dias
Eu, que já não fui pro cinema porque não tinha dez reais
Que me alimento mal e já li Nietzsche
Que esqueci de militar quando quis dançar funk
Que não tive forças pra limpar a casa, e às vezes tive preguiça
Que já fingi estar dormindo pra não ter uma conversa
Eu, que não sei dizer não
Que digo aos amigos que eles precisam de terapia
Enquanto eu mesma me recuso a fazer terapia
Eu, que acho um absurdo eu me recusar a fazer terapia
Eu, que depois de feminista passei a odiar um pouco meu pai
Que olho jazigos e não sinto nada
Que olho pro picolezeiro e sinto tudo
Que acho que tenho o direito de achar bebês feios
E que seus pais deveriam reconhecer isso
Que já me atrasei
Que já dei uma desculpa por não ter entregado o trabalho em dia
Que esqueci a ordem e os fatos
E os argumentos dos meus livros favoritos
Eles turvam em minha mente
E sua experiência se dissolve em minha prática de vida
Eu, que trabalho demais e não recebo nada
Que faço compras em cartões de crédito emprestados
Que não olho no espelho quando estou triste
Eu mesma, que não acredito na felicidade
Eu que tenho medo de conversar com quem é inteligente
Que já me vinguei de idiotices
Que já parti corações
Que finjo saber cozinhar
Que pensei na resposta certa na hora errada
Que sou insegura com minha performance no sexo
Que não sei me relacionar com quem não sente medo
Que já quis agredir fisicamente
Que já pratiquei bullying na escola, e na universidade também
Que já causei ciúmes de propósito
Que andei mais rápido pra conseguir sentar na única cadeira disponível
Eu, que já coloquei a culpa no outro
Que enfiei a comida inteira na boca pra não ter que dividir
Que já tropecei e fiquei sem graça
Eu que já ri do tropeço do outro
Que já me queimei comendo cozidão
Que fiquei sentada imóvel por horas porque estava menstruada
Eu, que preferi esconder um segredo
Que já acertei uma bolada em alguém que não gostava
Eu, que falo sobre política e sinto raiva
Acredito fazer parte da mudança pro futuro
Que fui à missa todos os domingos
E menti na confissão pro padre
Eu que li Clarice e respondi a ela que, na verdade
O direito ao grito é o silêncio
Eu, que já tive meu coração partido
Que já me cortei sem querer mas gostei de ver o sangue saindo
Eu, por fim, que enfim
Mas podia ser você
A pensar assim em fantasia que um dia pudéssemos
Ser, apenas
Uma parte a menos do que nos faz duvidar de nós mesmos
Que me reviro na garganta dos grilos
Escrevo o que me der na telha
Pra escapar da culpa cristã das palavras
E busco na terminologia dos dias
O sentido para querer continuar sentindo
Eu, que gasto dinheiro com a vontade que me dá
Agora
Que bebo demais e depois não sei o porquê acordo
Com sede no dia seguinte
Que já me arrependi até de ter botado sal demais na comida
Que olhei pro meu cachorro pedindo carinho e disse pra ele que amanhã
Que deixei inúmeras plantas morrerem sobre a minha tutela
Mas que morreram amores pelo mesmo motivo também
Que consigo falar muito mal sobre de tudo um pouco
Que minto sempre acreditando ser verdade
Que odiei os vizinhos e aumentei o som até que não pudesse ouvi-los
Que cometi um erro e não pedi desculpas
Que nunca lavei meu carro mas soube trocar seus pneus
Eu que xingo mentalmente minha mãe de vez em quando
Que resmungo feito uma criança
Os pés no chão quando estou carente e contrariada
É que eu sou uma adulta dengosa
E também nunca soube muito fazer qualquer matemática
E colava muito na escola
Que já fingi gostar de um presente
Que já ataquei a virtude de alguém por pura inveja
Eu que não acredito em deus, e por isso muito menos em seus conceitos
Que já gritei com uma criança e já gritei embaixo d'água
Que já dei perdido em um amigo
Que já manipulei
Que já percebi estar sendo manipulada
E que já fui manipulada sem o saber
Que já fiz o café horroroso, fraco
Que já não escovei os dentes por dias
Eu, que já não fui pro cinema porque não tinha dez reais
Que me alimento mal e já li Nietzsche
Que esqueci de militar quando quis dançar funk
Que não tive forças pra limpar a casa, e às vezes tive preguiça
Que já fingi estar dormindo pra não ter uma conversa
Eu, que não sei dizer não
Que digo aos amigos que eles precisam de terapia
Enquanto eu mesma me recuso a fazer terapia
Eu, que acho um absurdo eu me recusar a fazer terapia
Eu, que depois de feminista passei a odiar um pouco meu pai
Que olho jazigos e não sinto nada
Que olho pro picolezeiro e sinto tudo
Que acho que tenho o direito de achar bebês feios
E que seus pais deveriam reconhecer isso
Que já me atrasei
Que já dei uma desculpa por não ter entregado o trabalho em dia
Que esqueci a ordem e os fatos
E os argumentos dos meus livros favoritos
Eles turvam em minha mente
E sua experiência se dissolve em minha prática de vida
Eu, que trabalho demais e não recebo nada
Que faço compras em cartões de crédito emprestados
Que não olho no espelho quando estou triste
Eu mesma, que não acredito na felicidade
Eu que tenho medo de conversar com quem é inteligente
Que já me vinguei de idiotices
Que já parti corações
Que finjo saber cozinhar
Que pensei na resposta certa na hora errada
Que sou insegura com minha performance no sexo
Que não sei me relacionar com quem não sente medo
Que já quis agredir fisicamente
Que já pratiquei bullying na escola, e na universidade também
Que já causei ciúmes de propósito
Que andei mais rápido pra conseguir sentar na única cadeira disponível
Eu, que já coloquei a culpa no outro
Que enfiei a comida inteira na boca pra não ter que dividir
Que já tropecei e fiquei sem graça
Eu que já ri do tropeço do outro
Que já me queimei comendo cozidão
Que fiquei sentada imóvel por horas porque estava menstruada
Eu, que preferi esconder um segredo
Que já acertei uma bolada em alguém que não gostava
Eu, que falo sobre política e sinto raiva
Acredito fazer parte da mudança pro futuro
Que fui à missa todos os domingos
E menti na confissão pro padre
Eu que li Clarice e respondi a ela que, na verdade
O direito ao grito é o silêncio
Eu, que já tive meu coração partido
Que já me cortei sem querer mas gostei de ver o sangue saindo
Eu, por fim, que enfim
Mas podia ser você
A pensar assim em fantasia que um dia pudéssemos
Ser, apenas
Uma parte a menos do que nos faz duvidar de nós mesmos
Credits
Writer(s): Valdir Alves De Araujo, Simone Barreto Saback
Lyrics powered by www.musixmatch.com
Link
© 2024 All rights reserved. Rockol.com S.r.l. Website image policy
Rockol
- Rockol only uses images and photos made available for promotional purposes (“for press use”) by record companies, artist managements and p.r. agencies.
- Said images are used to exert a right to report and a finality of the criticism, in a degraded mode compliant to copyright laws, and exclusively inclosed in our own informative content.
- Only non-exclusive images addressed to newspaper use and, in general, copyright-free are accepted.
- Live photos are published when licensed by photographers whose copyright is quoted.
- Rockol is available to pay the right holder a fair fee should a published image’s author be unknown at the time of publishing.
Feedback
Please immediately report the presence of images possibly not compliant with the above cases so as to quickly verify an improper use: where confirmed, we would immediately proceed to their removal.