Orí Gem

Eu peço licença pra cantar essas notas
Nunca senti na pele
Nem o peso nas costas
Povo sofrido, inibido
Trancafiado
Em vielas, celas, favelas
Humilhado

Corpos dóceis, materializados
Dizia Foucault
Fáceis
De serem domados pelas mãos de senhor
Gráceis
Na dança, no canto, na arte, no tambor
Gente forte, ainda sofre
Por que nada mudou?

Vivo pra poder ver
Um mundo sem casta, raça
Discórdia, desigualdade

Cor de pele não é currículo
Moradia não é cubículo
Misericórdia, sem soberba
Só o bem é de verdade

Eu não sou linha de frente
O grito não é meu
Mas ao seu lado caminho
E reconheço aquilo que é seu

Fortalecer a causa
Espalhar a visão
É o que me cabe aqui
Através do meu dom

Dói

Não é sobre mim
Mas resisto eu
E canto assim, porque sei em quem doeu
E dói

Destrói

País classista
Justiça racista
Mata, porque é preto
Livra, porque é branco
E fecha os olhos se tem terno
Dinheiro na mala
Ou no banco

Vivo pra poder ver
Um mundo sem casta, raça
Discórdia, desigualdade

Cor de pele não é currículo
Moradia não é cubículo
Misericórdia, sem soberba
Só o bem é de verdade

Mas a justiça em verdade
Tem mãos negras por amor
Ela não falha, nem atrasa
Kaô, meu pai Xangô

Na origem, o resgate
Das raízes, o desate
Dos nós
Somos nós

Passado, presente, futuro, nasce
Isso que é "coisa de preto"
Alguém avisa o jornalista ali:
"A raíz negra que sustenta é a mesma que floresce"
Orí

Aponto pra mim pra reconhecer meu lugar de falta!
Nunca negar sua dor,
Ficar do seu lado no front
Reconhecer e reparar com voz e companhia
Não só no dia de Zumbi,
Mas todo dia
Racismo é invenção de branco
A gente então que se vire pra reparar a covardia!

E eu
Vivo pra poder ver
Um mundo sem casta, raça
Discórdia, desigualdade
Cor de pele não é currículo
Moradia não é cubículo
Misericórdia, sem soberba
Só o bem e o amor
São de verdade



Credits
Writer(s): Helena Badari
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