Deslumbrar-Se

Sou um entusiasta da arte de deslumbrar-se
Décadas de vida ainda não foram suficientes
Para que cada detalhe que vejo no mundo
Deixe de ser para mim uma eterna novidade

Tenho a mesma vista da janela há anos
E todos os dias reparo coisas diferentes
As roupas no varal bailando ao vento
Coloridas como bandeirinhas de São João
Uma árvore frondosa, cheia de frutas
E sua colega ao lado seca de dar dó
As ruas distantes e os carros de brinquedo
Pilotados por formiguinhas apressadas

Sempre que eu avisto a lua cheia
Sinto-me uma criança que chama a mãe
Para dizer que tem um queijo gigante no céu
Fico abismado como pode um avião
(que pesa mais que vinte elefantes)
Ser capaz de viajar por sobre as nuvens
Aliás, as aeronaves só existem
Porque alguém se encantou pelos pássaros
E cismou que gente também pode voar

Faço graça, para ver a risada de quem amo
E apenas fico quietinho, observando...
Os lábios, os dentes, as rugas em volta dos olhos
Aquele som atrapalhado e tão particular
Cada novo encontro é um reconhecer
Há tanto o que se aprender sobre as pessoas
Converso olhando fixamente os rostos
É a primeira (milésima, última?) vez que os vejo

Alguns até podem achar tedioso
Este meu estado contemplativo
"O que você está vendo?", perguntam-me
Ora, eu estou vendo tudo...
E ao mesmo tempo nada
Vejo a completude das coisas
E o vazio



Credits
Writer(s): Medson Barreto
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