O Quereres

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não

E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas no chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
Onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
Onde queres eunuco, garanhão

Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde queres um lobo, eu sou irmão
Onde queres caubói, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher

Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te, amar o amor
Construirmos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor

Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero, e não queres como sou
Não te quero, e não queres como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock 'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio

Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, sou obus

O quereres estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim

Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total do querer
Que há do que não há em mim



Credits
Writer(s): Caetano Veloso
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