Faena de mar

Fiz-me à estrada de Lisboa sem um chavo na algibeira
Queria aprender um ofício e fazer uma carreira
Vindo do Ribatejo lá onde o touro se pega
Picado pela fome e a fugir da peste negra

E ao fim de três semanas vivia de caridade
Com a turma de mendigos que pedia pela cidade
Ouvi ler um edital na rua dos tintureiros
A pedir gente de brega soldados e marinheiros

Pelo soldo, pela comida, sem medo de ir à aventura
E era mesmo essa a vida de que eu vinha à procura
Ao passar no cais de Alfama vi grandes preparativos
Dei o nome ao escrivão e juntei-me aos efectivos
Aos efectivos

Aguenta toureiro ensaia a tua faena
O touro é sendeiro e escorrega muito a arena
Toureia o destino improvisa a tua finta
E é sobre o joelho que melhor se tira a pinta

Veio o dia da largada ondulavam os pendões
Faltava gente à armada tiveram de ir às prisões
Arrebanhar voluntários entre a nata da escumalha
Rufiões e salafrários grandes barões da navalha

E havia choro no cais e despedidas sem fim
E eu triste e feliz por ninguém chorar por mim
Pouco antes de zarpar foi tudo benzido a bordo
Dizem que azul é o mar mas quem me diz onde é bombordo

Aprendi depressa as lides como deve um bom peão
Conhecer a manha ao bicho é ter meia salvação
Já navega a nossa armada tão vistosa e colorida
Com tão nobre guarnição ninguém a leva de vencida
Vencida

Aguenta marujo faz das tripas coração
E a pátria é pequena mas o improviso não
Aprende-se mais com Portugueses num dia
Do que se aprende com Romanos em cem anos
Em cem anos



Credits
Writer(s): Carlos Tê
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