Araguari II (Meus Dias de Vândalo)

Como eu me defendo?
Desse sentimento de inadequação
Que me destrói por dentro
Pro qual não vejo explicação

Bandeira a meio mastro
Um afago áspero, a voz do cantor
Eu criei um certo faro
Pra esse tipo de enganador
Graças a você

Ladeira abaixo, assim foi dito
Uma obra-prima de eufemismo
Pras dores da inaptidão
Pro sufocante calor da afobação

Ninguém imagina o que eu enfrentei
O quanto doeu, o quanto eu rezei
Minha reza de ateu, num desespero
Que eu nunca me atrevo a demonstrar

Bêbada e vingativa
O amor como eu o conhecia
De peito estufado, cheia de si
Cantando em copos por aí
Na madrugada eterna e ardente
Que te deixou toda em carne-viva

Uma adoração inconcebível
(Em mim você devia confiar)
Todo o amor que me é possível
(Eu vejo tanto de mim mesma em você)

Recolhido, quieto, ensimesmado
Meu refém conformado e imperturbável
Na madrugada eterna e ardente
Que me deixou todo em carne-viva

Agora, convenhamos
Eu nunca me expus tanto, você nem pra impedir
Com todo esse alvoroço
Eu só engoli meu almoço, não senti gosto algum

A torneira que eu esqueci aberta
Não tardou a inundar todo o prédio
Mas eu sobrevivi, eu sobrevivi

O tempo que a gente passou aqui
Morando de favor, nos tornou
Parte da mobília sem valor, na percepção
Pobre e turva daquele que nos abrigou

E foi nesse corredor
Que eu vi o fantasma de um senhor
E de um labrador magro, manco e ameaçador
Eu é que não vou me meter com esses dois

Eu é que não vou, ah
Eu é que não vou

Então, nem queira saber o que eu ambiciono
O que me mantém vivo
Porque eu não cedo ao sono
Eu te aconselho: Nem queira saber

Assim que os meus dias de vândalo terminarem
Eu sei que me levarão pro céu
E farão com que eu narre
Os meus escândalos sem que eu me gabe

Com o constrangimento abatido de um réu
Talvez fosse preferível
Que eu nunca tivesse saído
De onde eu nasci, de Araguari



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