Selvática

Refaço, rechaço
Não lhe devemos nada
Não nos verás na escuridão como capacho

Nos temporais amargos
Dias penumbrosos anoitecidas
Não moverás do corpo um pelo
A tempestade é vencida

Selváticas por amor ensandecidas, não as tocarão
Manadas apedrejantes
Selváticas de vitórias surpreendentes munidas
Cavalgam amazonas delirantes

Guerreira que bebe sangue
Arco e flecha do daomé
Viço de bicho, ebó de manguem, jurema da favela
Óleo de palma pra ela
Alma na planta do axé

O eclipse perdurará
Acharas palha no agulheiro e transmutarás
Perfurarás o mal seu e o do alheio
E o enforcarás com o cipó da própria raiz segura
Costura de árvores nas alturas

Não espirrarás tua violência amanhecida
Tantas vezes na aprovação da multidão
Tua sanha virará só coração

Sem mais arranhão, nem ferida
Choro trufado, pedregoso
Umedece o olho arranhando, refinando a vista embargada
Guerrilheira curda vitoriosa nas curvas das serras teimosas

Mulheres, conforme a espécie na guerra
Esbravejam a dor da terra em uivos
Lhes crescem pupilas ruivas
Uvas bacantes, semeadas, oliveiras palestinas suculentas
Avisam: já não há quem possa

Chifres de marfim nascem devagar a empurrar
Entremeando os cabelos
Afiam-se dentes, pontas de diamantes
Estraçalhadores fulminantes de pecadoras maçãs

Vãs as imagens delas conforme a sua semelhança
Bailarão lança e festança
Extirparão o sumo da memória criminosa
Refarão a história e a prosa de tuas eternas

Inquisições de fogueiras em beiras de abismos
Baderneiras, flamejantes ciganas a postos abafarão os berreiros
Constantes em fogosas rosas gigantes

Filhos meus, os seus e os nossos
Selváticas, elas não necessitam seu elogio
Ela transgride sua orientação

Refeito o começo bíblico: não ferirás
Nenhum corpo por ser feminino com faca, ou murro, ou graveto
Eu te prometo

Sedarás o mal, interceptarás no meio do caminho o espeto
Super heróis de tuas vítimas estancadas
Agora és delas a espada e não o algoz

Ela come a selva de fora
Ela vem da selva de dentro
Selvática, ela pare a própria hora
Ela vale em pensamento

Selvática, ela come a selva de fora
Ela vem da selva de dentro
E no final ideal não terás domínio sobre mulher alguma
No final ideal não terás domínio sobre mulher alguma

Ela come a selva de fora
Ela vem da selva de dentro
Ela pare a própria hora
Ela vale em pensamento

Ela come a selva de fora
Ela vem da selva de dentro
Ela pare a própria hora
Ela vale em pensamento



Credits
Writer(s): Gusmao, Mauricio Pascuet Pregnolatto, Karina Buhr Magalhaes, Andre Lima Andrade Silva
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