O Quereres

Onde queres revólver sou coqueiro
Onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo
E onde sou só desejo queres não

E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão

E onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão
E onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito
E onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo
E onde buscas o anjo eu sou mulher

Onde queres prazer sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido sou o herói

Eu queria querer-te e amar o amor
Construirmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima, e nunca dor

Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres como és

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper vídeo
E onde queres romance, rock 'n' roll
Onde queres a lua eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio

E onde queres mistério eu sou a luz
Onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim

Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim



Credits
Writer(s): Caetano Emmanuel Viana Telles Veloso
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