Fado Tropical

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Deixo-te consternado
No primeiro Abril
Não seja tão ingrata
Não esqueças quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Sabes, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano
Uma boa dose de lirísmo, além da sífilis, é claro
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas
Em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora

Com avencas na catinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebata um beijo

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Assombra-me a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a agulha empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anúncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-Os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se o imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se o Império Colonial



Credits
Writer(s): Chico Buarque, Ruy Guerra
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