Atravesso

Tem vezes que parece que a vida gruda
No arame farpado da cerca da roça do mundo
E a gente sai rasgando sem perceber, a alma
Que é pele do espírito manso que andava nu

Entre as cercas e o mato
que crescia verde, floresta de mim
Brota o Sol pela fresta
Janela entreaberta nos olhos de mim

Pode ser que eu nem veja, nem perceba
Que tinha uma cerca ali me impedindo apenas de ser
Se tiver mais alguma, eu atravesso, eu me rasgo todo
Eu sangro, eu morro sem medo de ver

Que no meio da relva
brotou a semente daquela canção
Vento derruba as folhas
dos galhos já secos do meu coração

Não há como ficar inteiro nesse roçado
Arar a terra e não trazer nos dedos os calos
Plantar suas sementes sem pegar na enxada
Sem enfiar a mão na terra, sem chorar sangue e água

Ser humano é estar entre o imediato e o imortal
É a luta interna e bruta do bem pra vencer o mal
É desatar os nós entre o eu e o nós
Entre o pré e o pós, entre a multidão, mas a sós



Credits
Writer(s): Ricardo Almeida Ayade
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