1997

A Princesa Diana morreu.
Vi o funeral em direto na televisão, sentado no sofá da minha avó,
a comer cereais.
O príncipe William e o príncipe Harry seguiam o caixão tão compostos,
tão bonitos naqueles fatos.
Vi-me a mim naquele cortejo,
cheio de dignidade aos olhos do mundo inteiro,
sem deitar uma lágrima.
Já não me lembro se eles choraram...
mas acho que não.

Eu sou um maricas.
E sou gordo.
Nunca poderia ser um príncipe.
A quem é que interessa a minha tristeza?

Fui passear a Boy,
a cadela que a minha avó trouxe
e achava que era um cão
e eu dei-lhe o nome de Boy,
mas afinal é uma cadela
e agora só responde por esse nome.
Enquanto a Boy corria,
pus-me a cantar a música da Janet Jackson.
Li que é sobre o melhor amigo dela,
que morreu com sida.
Já percebi que eu também vou morrer com sida,
acho que é inevitável.

Quando for adulto,
vou-me embora,
vou para outro país,
só falo com a minha família ao telefone,
assim eles nunca saberão.
Não quero que tenham vergonha disto que eu sou.
De ser tão fraco
que não respondo aos rapazes que gozam comigo na escola e na rua.
Nem levanto a cabeça.
Às vezes, até finjo que estou doente para não ir à escola,
acordo de manhã e o meu primeiro pensamento é a humilhação.
Não aguento mais o olhar de pena das minhas amigas
quando eles me empurram,
ou me cospem
ou gritam quando eu entro na cantina,
a chamar-me maricas
e a dizer para lhes chupar a pila.
Já fiquei sem almoçar tantas vezes
só para não levar com aquilo.
Não posso dizer a nenhum adulto...
porque aí eles saberão
e vão olhar-me com aqueles olhos de pena.
Pena de eu ser tão maricas.

Será que vou viver tranquilo alguma vez?
Não passar o dia inteiro com medo,
a olhar por cima do ombro,
a tentar controlar a voz,
as mãos,
os corredores por onde posso ir no recreio,
a dar voltas sozinho ao bairro,
durante horas,
à espera que eles se vão embora do banco da rua
para não ter de passar por eles?
Eu ainda nem percebi se sou mesmo gay
mas eles pelos vistos já sabem.

A música da Janet Jackson faz-me sempre chorar,
é como se fosse sobre mim.
Só tenho 12 anos
mas parece que já carrego uma sentença de morte.



Credits
Writer(s): Lila Tiago, Luis Clara Gomes, Passarumacaco
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