O Navio Negreiro (Excerto)
'Stamos em pleno mar
Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros estalar do açoite
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães
Outras, moças, mas nuas, espantadas
No turbilhão de espectros arrastadas
Em ânsia e mágoa vãs
E ri-se a orquestra, irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja se no chão resvala
Ouvem-se gritos o chicote estala
E voam mais e mais...
Presa dos elos de uma só cadeia
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece
Outro, que de martírios embrutece
Cantando, geme e ri!
(Que navio é esse...)
No entanto o capitão manda a manobra (...que chegou...)
E após, fitando o céu que se desdobra (...agora?)
Tão puro sobre o mar (Meu navio negreiro...)
Diz do fumo entre os densos nevoeiros
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!"
E ri-se a orquestra irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!
(Que navio é esse...)
Senhor Deus dos desgraçados! (...que chegou agora?)
Dizei-me vós, Senhor Deus! (Meu navio negreiro...)
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros, noite, tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são, se a estrela se cala?
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz
Perante a noite confusa
Dize-o tu, severa musa
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também
Que sedentas, alquebradas
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços
N'alma lágrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael
Lá nas areias infindas
Das palmeiras no país
Nasceram crianças lindas
Viveram moças gentis
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus
Adeus! ó choça do monte!
Adeus palmeiras da fonte!
Adeus amores, adeus!
(Que navio é esse...)
Senhor Deus dos desgraçados! (...que chegou agora?)
Dizei-me vós, Senhor Deus! (É o navio...)
Se eu deliro... ou se é verdade (...negreiro)
Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e covardia!
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!
Meu Deus!
Meu Deus, mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia?!
Silêncio, Musa! Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto
Auriverde pendão de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha!
(Que navio é esse...)
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo
Andrada! Arranca este pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta de teus mares!
Que a brisa do Brasil vem devagar assim
(Que a brisa do Brasil vem devagar assim)
(Que a brisa do Brasil vem devagar assim)
(Que a brisa do Brasil...)
Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros estalar do açoite
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães
Outras, moças, mas nuas, espantadas
No turbilhão de espectros arrastadas
Em ânsia e mágoa vãs
E ri-se a orquestra, irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja se no chão resvala
Ouvem-se gritos o chicote estala
E voam mais e mais...
Presa dos elos de uma só cadeia
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece
Outro, que de martírios embrutece
Cantando, geme e ri!
(Que navio é esse...)
No entanto o capitão manda a manobra (...que chegou...)
E após, fitando o céu que se desdobra (...agora?)
Tão puro sobre o mar (Meu navio negreiro...)
Diz do fumo entre os densos nevoeiros
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!"
E ri-se a orquestra irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!
(Que navio é esse...)
Senhor Deus dos desgraçados! (...que chegou agora?)
Dizei-me vós, Senhor Deus! (Meu navio negreiro...)
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros, noite, tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são, se a estrela se cala?
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz
Perante a noite confusa
Dize-o tu, severa musa
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também
Que sedentas, alquebradas
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços
N'alma lágrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael
Lá nas areias infindas
Das palmeiras no país
Nasceram crianças lindas
Viveram moças gentis
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus
Adeus! ó choça do monte!
Adeus palmeiras da fonte!
Adeus amores, adeus!
(Que navio é esse...)
Senhor Deus dos desgraçados! (...que chegou agora?)
Dizei-me vós, Senhor Deus! (É o navio...)
Se eu deliro... ou se é verdade (...negreiro)
Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e covardia!
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!
Meu Deus!
Meu Deus, mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia?!
Silêncio, Musa! Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto
Auriverde pendão de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha!
(Que navio é esse...)
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo
Andrada! Arranca este pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta de teus mares!
Que a brisa do Brasil vem devagar assim
(Que a brisa do Brasil vem devagar assim)
(Que a brisa do Brasil vem devagar assim)
(Que a brisa do Brasil...)
Credits
Writer(s): Antonio Castro Alves
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