Um Dia Desses

Tinha 30 anos ou nem tanto
Quando encostei meu pai num canto
E disse: Foi um desencanto a sua geração

E ele, então, com ternura e cansaço
Pegou meu braço, levou lá fora
Olhou o escuro e disse: Filho, é sua vez agora
Faça mais que eu pelo futuro

Bem que gostaria de ter feito
Um mundo mais direito, com mais justiça
Onde a polícia
Não matasse pretos porque são pretos

Nem mulher fosse ser espancada
Na madrugada pelo seu homem
E apavorada dissesse nada
E nem que na quebrada
Pudesse ainda alguém morrer de fome

Minha geração se não foi um deserto
No final das contas não deu muito certo
Sempre tarde ou cedo
Faltou um dedo pro desenredo
Onde o melhor nos acontecesse

Que venham os netos
Os bisnetos, tataranetos
E um dia desses, um dia desses

Que venham os netos
Os bisnetos, tataranetos
E um dia desses, um dia desses

Dói saber que somos tão covardes
Pra perpetuar desigualdades
Banir beleza, delicadeza
Lavar as mãos, quando não?

Negar porto a exilados
Refugiados, desesperados
Fechar fronteira, queimar madeira, envenenar o chão
Levar o ouro e devolver poeira

Rimos de piadas de viado
Porque era assim que se fazia
Não parecia que fosse errado, só engraçado

Pra zombar, brincamos de ser machista, anti-semita
Sem se dar conta de que a troça também reforça
A lógica perversa dos homofóbicos e dos racistas

Venha agora a geração dos nossos filhos
Que eles não repitam velhos estribilhos
Que trabalhem menos
Que cuidem mais dos seus pequenos
E tenham menos interesses

Que venham os netos
Os bisnetos, tataranetos
E um dia desses, um dia desses

Que venham os netos
Os bisnetos, tataranetos
E um dia desses, um dia desses



Credits
Writer(s): Celso Viafora
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