Ressaca.5 - Tudo que já nadei

Um dos padrinhos fica
Era o homem do encontro que não evoluiu
Ainda zonza, ela o beija, ele se assusta
Mas se inclina para mais um beijo

Só sei dormir com barulho de mar
Ela alerta
Só sei dormir com remédio, mesmo
Ele avisa

Na mesma noite, numa pousada
De 340 reais com café da manhã incluso
Dez gotas de rivotril e dez horas ininterruptas
De marolas indo até a areia
Iniciaram um romance

Unfinished business
Não há de ser nada
Mas bati um recorde escroto
Três meses sem ver o mar

As montanhas foram boas madrinhas
A floresta me acolheu bem
Embora eu e o frio tenhamos muitas questões
As quais sinto que não resolveremos nessa vida

Mas consegui
Pela organização mundial da saúde
Eu consegui, tenho que conseguir
Porque a imbecilidade desobedece
E já está na mureta da Urca
Tomando sua cervejinha

Portanto, mantenho a firmeza
Me mudei para o lar
Mais perto da praia que consegui na vida
Em janeiro de vinte
Quero parar de falar dois mil e vinte
Só quero falar vinte
Você não vai pensar em 1920, certo?

Pois o ano prometia
Investi morar perto do mar
Pra me acalmar da vida-furacão que teria
Porém o furacão corona se alastrou
Em março e me expulsou para a serra

Esse verão tinha sido meu
Fui nadadora de oceanos
Perdi o medo das baleias
Fiz amizade com a pedra e com a areia

Com as pessoas não
Porque sou tímida-extrovertida
Só me sinto à vontade com seres humanos
Depois de cinco encontros intensos

Que envolvem nudez
Embriaguez, segredos da infância
Empréstimos de dinheiro
Para comida ou carona

Amizades do mesmo dia
Ainda não consigo
Ex-bullying, cagada da cabeça
Nunca pensem que é negócio de metida
É mais negócio de inadequação mesmo

A síndrome do equívoco
A macabeia que habita em mim
Saúda o diabo que há em vocês
Mas ainda não consigo
Queria consê, pois bem

Nunca tinha ido tanto à praia seguidamente
Janeiro, fevereiro e março, fervi
Acumulei o mar em mim
Visto que nos três meses seguintes não fui

Sonhava, acordava encharcada de mar
E lá ia eu passar o dia
Pensando no número de mortes
E no governo mais repulsivo
Desorientado e leviano da história

Depois de três meses na serra, voltei
Não porque a rua abriu
Embora os imbecis tenham saído
Pra comprar presente para o dia dos namorados
Emoji passando mal, emoji vomitando

Voltei porque o Banco do Brasil
Me encalacrou numa situação aí
Que brincadeira, Banco do Brasil
Eu te defendo, mas, eita ferro

Presença presencial em plena pandemia
É brabo, viu?
Mas lá fui eu, chamar uber
Copanematijuca

Noutros tempos eu iria de metrô
E seria a voyeuse que sou
E ouviria as pessoas conversando
E anotaria uma ou outra palavra
Que usaria neste pobre texto

Embora vez em quando percebesse
Que a observada era eu
Sempre gostei de ver gente assim
Sem ter que conversar, só observando

Vênus em aquário, uma delícia
Mas um inferno, mas uma delícia
Emoji ying-yang
Pois: recém-chegada das montanhas
Temendo a vida corona na cidade chamei o Uber

Rapazinho chegou de máscara
Vidros abertos, entrei
O carro seguiu e fez uma curva
Antes de virar por completo
Atrás dos óculos escuros
No canto do meu olho esquerdo
Quarentenado, eu bem vi

Meninos, eu vi
Meninas, eu vi
Menines, eu vi

O mar, um trecho de mar
Uma nesga de mar
Um fragmento marinho
Um lance aquático

Com máscara, óculos
Começo a chorar
O rapaz diz que a situação
Está difícil mesmo

Concordo, com vergonha de explanar
A saudade marítima
Cinquenta mil pessoas morreram
Eu não mergulhei
Não resolvi a treta do Banco do Brasil
Vai acontecer de novo



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